domingo, 4 de outubro de 2009

Entrevista com Angelina Nunes

Entrevista com Angelina Nunes

Ela já passou por diversas redações no país, nos mais diferentes veículos de comunicação. Há quinze anos no jornal carioca O Globo, ela cooderna uma dos principais cadernos da publicação: Rio. Para falar da cidade e do trabalho da imprensa nas favelas do Rio de Janeiro, o JE Informa entrevistou Angelina Nunes que, além de dois prêmios Esso de Jornalismo, também preside a ABRAJI, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

Por Fernando Galacine
galacine@jeinforma.com
editor do JE em São Paulo



JE Informa - Síndrome de Sherlock Holmes, de Super Herói... Isso, na maior parte dos casos, acontece por iniciativa de quem? Do veículo no qual o repórter trabalha ou do próprio jornalista?

Angelina Nunes - Acho que um pouco dos dois. Acontece quando o jornalista ou o chefe perdem a noção do que é um trabalho de profundidade que envolve mais pessoas. Hoje em dia a complexidade das apurações nos levam a formar equipes de profissionais com perfis diferenciados. Isso é ótimo. Uma delícia trabalhar assim, trocando informações, experiências. Infelizmente há uma cultura nas redações de competitividade ao extremo e isso leva ao culto dos Sherlocks da vida.

JE - A cidade do Rio de Janeiro não concentra números tão superiores de homicídios e outros tipos de violência do que qualquer outra metrópole brasileira, como São Paulo ou Belo Horizonte. Pra você, por que na imprensa nacional o Rio de Janeiro ganha tanto destaque no noticiário policial?


Acho que imprensa carioca não tem medo e falar dos próprios problemas, não esconde para debaixo do tapete a violência que infelizmente existe. Pela topografia da cidade do Rio de Janeiro, as favelas estão muito próximas, na maioria dos bairros. Nas outras cidades, a violência está na periferia, longe dos grandes centros. Então, acho que é natural que a gente coloque o que acontece na cidade nas páginas, discuta as soluções e cobre das autoridades um posicionamento. Em BH ou SP existem organizações criminosas muito fortes (o PCC é um exemplo disso). Acho que a pergunta é: porque a imprensa paulista e a mineira não colocam nas páginas as histórias que existem por trás das estatísticas de criminalidade?

JE - Comprar uma cobertura em áreas periféricas de grandes cidades brasileiras com uma cobertura de guerra é exagero?

Infelizmente não. Em algumas áreas da cidade vivendo um clima de guerra urbana, onde moradores são impedidos de saírem de casa, existe o toque de recolher, as pessoas são submetidas a regras específicas de grupos criminosos como não poder visitar um parente ou amigo em uma favela próxima porque a comunidade vizinha não pertence a mesma facção e são considerados alemão"(assim no singular mesmo), ou seja um inimigo. Não poder namorar um rapaz de outra favela, não poder sair a qualquer hora, isso não é uma rotina de uma cidade normal. Em algumas áreas da cidade há favelas muito violentas onde jovens morrem de balas perdidas diariamente. Os médicos nas emergências estão acostumados a atender pessoas com ferimentos de balas de alto potencial ofensivo, como nas guerras. É claro que o conceito clássico de guerra engloba outras coisas também. Então, como classificar uma cobertura policial onde o jornalista usa colete a prova de balas, carro blindado, só entra em favela no meio de uma operação policial se for num comboio ou nem entra e também discute internamente treinamento para saber como se comportar nesse tipo de situação e como avaliar o local onde fará uma reportagem. Eu diria que, infelizmente, vivemos num clima muito ruim. Apesar de algumas favelas estarem com unidades pacificadoras policiais (UPPs), ou seja, uma ocupação policial, a situação na maioria das favelas ainda não mudou e isso afeta diretamente a cobertura policial.

JE - Jornalistas que realizam coberturas em áreas sob o poder do crime dizem que não mostrar essa realidade de perto é o mesmo que aceitar uma imaginável censura imposta por criminosos, não investigando algo que precisa ser divulgado. Salientam ainda que, após a morte de Tim Lopes, a imprensa ficou ainda mais coagida. Até que ponto você concorda com essa ideia?


A morte do Tim foi um divisor de águas para os repórteres. Isso significou que o pouco respeito que os jornalistas tinham dentro de uma favela tinha terminado. Num primeiro momento houve uma reação contrária e começamos a discutir como seria feita a cobertura daquele instante em diante. Até hoje é um trauma para os repórteres. Não concordo com essa cantilena de que não mostramos a realidade. Mostramos sim. O diferencial é que agora avaliamos os riscos. Planejamos melhor a cobertura. É claro que a busca incansável pela audiência, principalmente com as televisões, mostra que os repórteres estão se expondo em demasia. Um risco desnecessário. Fingir que é alguém, tentar se misturar em favelas onde há grupos fortemente armados é loucura. Colocar um equipe dentro de uma favela sem ter um plano de escape, sem ter como fazer um resgate de emergência é arriscar o pescoço de quem está lá no meio das cobras sem defesa. Isso eu não concordo. Acho uma insensatez, ou melhor: falta de profissionalismo, amadorismo travestido de "pessoas destemidas"

JE - Jornalismo investigativo, fora de áreas consideradas críticas devido à violência, ainda gera riscos à segurança do jornalista hoje em dia? Uma jornalista como você sente-se segura para informar a sociedade sobre casos envolvendo políticos, por exemplo?

Sempre há o risco. Algumas ameaças são veladas. O que fazemos é procurar todos os meios possíveis para garantir a publicação (documentos, provas, registros) e gravar todas as entrevistas. O risco existe O que se faz é elaborar uma estratégia para minimizar o risco.

JE - Você acredita que informar siglas de organizações criminosas, ou mesmo entrevistar criminosos, presos ou em liberdade, enaltece o crime? Ouvir um traficante, por exemplo, é promover uma ‘pluralidade de opiniões’?

Durante minha vida profissional já ouvi muito bandido (comecei fazendo polícia em jornal) e realmente não me lembro de nenhum que tivesse algo a dizer que merecesse registro. Eu preciso ouvir as pessoas que são obrigadas a viver em comunidades onde a liberdade de expressão é um luxo que elas não têm direito. Prefiro ouvir as vítimas da violência e denunciar os abusos seja de bandidos ou autoridades.
A questão das siglas e facções é discutível. Cada veículo tem uma norma. O que realmente irrita são os apelidos dos bandidos m tal de inho para cá, inho pra lá. Sempre no diminutivo, como se fosse uma coisa carinhosa. Um desses inhos da bandidagem tinha matado mais de 30 pessoas, muitas crianças.


JE - Traficantes. Milicianos. Pra você, há diferenças entre esses dois tipos de poder em relação à sociedade? A imprensa faz distinção entre eles?

A imprensa faz distinção porque um tem a arma e a farda (estando na ativa ou não) e age como bandido, mas se organiza como empresa para explorar serviços nas favelas e ganhar rios de dinheiro. Esse tipo de atividade e atitude é típica da milícia, que diversifica os negócios Já os traficantes, em geral, se concentram na venda da droga, que já tem seu alto risco e nem tanto lucro como a milícial Tanto é assim que agora alguns traficantes estão também explorando serviços que a milícia fazia. Mas é bom lembrar que os dois são bandidos . Merecem ser presos e punidos pela justiça

JE - Na época dos Jogos Pan-Americanos os relatos de violência no Rio de Janeiro diminuíram. O que aconteceu, em sua opinião? A polícia agiu mais firmemente no período e a criminalidade, de fato, retrocedeu, ou a mídia decidiu não destacar o assunto?

Havia realmente um reforço maior na segurança, mais policiais. Percebo que isso acontece sempre que há um grande evento (visita de presidente , por exemplo. Aposto que em qualquer cidade os dias que antecedem a visita são dias de "faxina" social: retiram-se mendigos, camelôs e o policiamento é reforçado..

JE - O que mais lhe chamou a atenção durante a produção da série “Os brasileiros que ainda vivem na ditadura”? Houve algum aprendizado mais marcante?

As histórias eram chocantes e, mesmo sabendo o que acontece nas favelas dominadas por grupos organizados de criminalidade, cada dia era angustiante. Poder mostrar isso, que pessoas ainda viviam e vivem sem ter os direitos básicos garantidos foi gratificante. Trabalhar em equipe também me fez muito bem, conhecer novos parceiros para dividir matérias, ouvir pessoas, aceitar sugestões... Foi uma escola.

JE - A mídia, em conjunto com a sociedade, pode finalizar a violência? É algo alcançável? Ou minimizar é o que, por ora, pode ser feito?

Finalizar como? Acabar? Acho que a sociedade, as autoridades, a mídia podem discutir caminhos para reduzir a criminalidade nas cidades Acabar a violência é algo que não acredito. Isso depende do ser humano. Sempre houve violência em menor ou maior grau. Cada um fazendo sua parte já ajuda e muito.